BHAGAVAD-GITA com comentarios/Aspecto ontológico dos Ensinamentos de Krishna
Aspecto ontológico
dos Ensinamentos de Krishna
Do ponto de vista ontológico, o Bhagavad-Gita dá-nos as respostas completas às perguntas essenciais da filosofia, tais como:
a) o que é Deus;
b) o que é o ser humano;
c) em que consiste o significado da vida de cada um de nós e como devemos viver na Terra.
No Bhagavad-Gita, Deus é examinado nos aspectos Ishvara-Criador, Absoluto, Brahman e Avatar.
Noutros idiomas, Ishvara também é chamado Pai Celestial, Deus Pai, Jeová, Alá, Tao, Consciência Primordial, etc. Os antigos Eslavos chamavam-Lhe Svarog. Ele é também o Mestre Supremo e a Meta de cada um de nós.
O segundo aspecto da palavra Deus é o Absoluto ou o Todo, isto é, o Criador existindo em unidade com a Sua Criação multidimensional.
A Evolução do Absoluto desenvolve-se em ciclos que se chamam Manvantaras. Um Manvantara consiste num Kalpa (“o Dia de Brahman”) e num Pralaya (“a Noite de Brahman”). Cada Kalpa começa com a criação do mundo e termina com o fim do mundo. Esta periodicidade dá-se para a formação de novas condições para que a Evolução da Consciência (ou, por outras palavras, a Evolução do Absoluto) continue.
O terceiro aspecto de Deus é Brahman, o que é o mesmo que Espírito Santo. Este é o nome que se dá ao conjunto de todas as Individualidades Divinas que saem da Morada do Criador com o fim de ajudar as pessoas encarnadas.
Outra manifestação de Deus na Terra é o Avatar – Messias ou Cristo em outros idiomas –, o Homem-Deus encarnado num corpo humano e unido pela Consciência com o Criador. O Avatar – a partir do Seu nível Divino – também ajuda as pessoas a encontrar o Caminho para o Criador.
Krishna – quem nos ofereceu o Bhagavad-Gita –, Jesus Cristo, Babaji, Sathya Sai e muitos Outros na história do nosso planeta são exemplos concretos de Avatares.
O ser humano não é um corpo. O corpo é apenas o seu recipiente temporário. O ser humano é uma consciência (alma), energia com a capacidade de auto-percepção. O tamanho da consciência pode variar consideravelmente entre diferentes pessoas, desde um tamanho “rudimentar” até um tamanho cósmico. Isto depende de dois factores: a idade psicogenética (isto é, a idade da alma) e a intensidade dos esforços realizados no Caminho espiritual.
Sobre a relação entre o corpo do ser humano e o próprio ser humano, Krishna diz o seguinte:
“2:18. Só os corpos de um ser encarnado são perecíveis, mas este ser é eterno, indestrutível. (…)
2:22. Assim como o ser humano deixa a sua roupa velha e põe a nova, da mesma maneira deixa o seu corpo desgastado e se veste com um novo.”
O ser humano é a etapa final no desenvolvimento evolutivo do purusha encarnado: plantas — animais — ser humano — Deus. A sua tarefa é tratar de alcançar a Perfeição Divina. Neste Caminho o ser humano passa através de certas etapas ou degraus.
Um dos esquemas de tal ascensão é a descrição da evolução de acordo com as gunas. Existem três gunas:
1. A primeira é tamas – a escuridão, a ignorância, a estupidez e a grosseria;
2. A segunda é rajas – a paixão, a busca intensa pelo próprio lugar na vida, as lutas pelos ideais e assim sucessivamente;
3. A terceira é sattva – a pureza e harmonia.
Contudo, como dizia Krishna, é necessário avançar mais ainda, ultrapassando os limites de sattva e dirigindo-se até a União com o Criador. Isto requer novos esforços, uma nova luta consigo mesmo. É importante recordar isto porque o sattva pode transformar-se numa armadilha, cativando com o êxtase que um experiencia e podendo levar-nos a “relaxar” e deixar de manter esforços espirituais. O sattva garante o paraíso, mas é necessário ir mais além e fazer muito mais para transformar-se em Brahman, alcançando o Nirvana n´Ele, e depois unir-se com Ishvara.
No entanto, não é possível evitar a guna sattva no Caminho até ao Criador. É impossível unir-se com Ele sem dominar as qualidades próprias desta guna.
Tampouco é possível evitar a guna rajas, já que é nesta guna que se desenvolvem qualidades tais como a energia, dinamismo, aspiração, poder e outras.
Outro esquema do avanço evolutivo do ser humano dado por Krishna é a escala dos varnas. (Cabe mencionar que estas e muitas outras escalas se complementam muito bem entre si, e aplicá-las combinadamente em nós mesmos e em outras pessoas dá uma imagem mais completa).
De acordo com a escala dos varnas, o ser humano que se encontra no primeiro degrau chama-se shudra. É ainda demasiado jovem na sua psicogénese e sabe fazer muito pouco. Portanto, a sua tarefa é aprender das pessoas evolutivamente maturas ajudando-as no seu trabalho.
Os vaishyas encontram-se no segundo degrau. São comerciantes, artesãos e agricultores. Estar neste varna implica que a pessoa já tenha um intelecto suficientemente desenvolvido como para começar uma actividade criativa empresarial, pois para poder montar o próprio negócio é necessário um intelecto desenvolvido. Através dessa actividade, os representantes deste varna aperfeiçoam-se.
O seguinte varna é o dos kshatriyas. São as pessoas que avançaram ainda mais no seu desenvolvimento intelectual e energético. São líderes que possuem suficiente amplitude mental e poder pessoal, isto é, poder da consciência. A propósito, um pode começar a preparar-se para este escalão desde tenra idade desenvolvendo o poder pessoal e a energia. O trabalho físico, diversos tipos de desporto e danças dinâmicas com música rítmica contribuirão para isto. Se se faz evitando os estados emocionais grosseiros e lembrando Deus e a necessidade de observar as normas éticas conhecidas, então isto formará um potencial importante para realizar um aperfeiçoamento espiritual frutífero nos anos de maturidade. A uma idade matura, será necessário renunciar tanto à competitividade como ao carácter apaixonado. Deverão antes ser aprendidas a tranquilidade, a harmonia, a ternura e a sabedoria. Mas isto deve fundamentar-se em grande poder pessoal, isto é, na potência energética da consciência e do intelecto.
O varna mais alto é o dos brâmanes, os líderes espirituais.
Na Índia e em alguns outros países tornou-se historicamente estabelecido que o varna passava de geração em geração por herança. Portanto, é bastante óbvio que nem todas as pessoas que se consideram representantes do varna mais alto têm realmente feitos espirituais altos.
Reproduzo as palavras de Krishna sobre como cada um deve escolher para si os métodos adequados de trabalho espiritual sobre si mesmo, isto é, aqueles que correspondem realmente à etapa actual da psicogénese e da ontogénese:
“12:8. Dirige os teus pensamentos para Mim, submerge-te como uma consciência em Mim e então, na verdade, viverás em Mim!
12:9: Porém, se não és capaz de concentrar o teu pensamento firmemente em Mim, trata de alcançar-Me com os exercícios do yoga, ó Dhananjaya!
12:10. Se tampouco és capaz de fazer constantemente os exercícios do yoga, então dedica-te a servir-Me realizando apenas aquelas acções que são necessárias para Mim, e alcançarás a Perfeição!
12:11. Se tampouco és capaz de fazer isto, então dirige-te para a União Comigo renunciando ao ganho pessoal da tua actividade! Restringe-te desta maneira!”
A actividade que está privada do componente egoísta e que serve para a Evolução (ou, por outas palavras, o serviço espiritual) é o karma yoga.
Também cabe destacar que Krishna dava muita importância ao desenvolvimento intelectual das pessoas no Caminho Espiritual.
Destaco isto sobretudo porque existem algumas seitas religiosas que negam a importância do desenvolvimento intelectual e até propagam a ideia de eliminar a educação tradicional das crianças.
Krishna, por outro lado, exultava a Sabedoria:
“4:33. Realizar um sacrifício com a própria sabedoria é melhor que qualquer sacrifício exterior, ó destruidor dos inimigos! Todas as acções do sábio, o Partha, chegam a ser perfeitas!
4:34. Portanto, obtém a sabedoria através da devoção, investigação e serviço! (…)
4:37. Da mesma maneira que o fogo transforma a lenha em cinzas, o fogo da sabedoria queima completamente todas as acções falsas!
4:38. No mundo não existe melhor purificador que a sabedoria! Através desta, aquele que é hábil no yoga encontra no tempo devido a Iluminação no Atman!
4:39. Quem está cheio de fé obtém a sabedoria. Quem aprende a controlar os seus indriyas obtém-na também. Depois de a obter eles chegam rapidamente aos mundos superiores.
7:16. Existem quatro tipos de virtuosos que Me veneram, ó Arjuna – os que anseiam por escapar do sofrimento, os que têm sede de conhecimento, os que procuram feitos pessoais e os sábios.”
(Destas últimas palavras de Krishna depreende-se que: primeiro, praticamente qualquer pessoa activa e não demoníaca, isto é, aquela que não cultiva defeitos grosseiros, é considerada por ele como virtuosa; segundo, os representantes dos três primeiros grupos não são sábios ainda, pois os sábios pertencem a um grupo independente ainda mais alto. Aqueles que anseiam escapar do sofrimento, que têm tem sede de conhecimento e que procuram feitos pessoais na etapa de rajas não são sábios ainda.)
“7:17. Superior a todos é um sábio equânime e absolutamente fiel a Mim. Na verdade, sou querido pelo sábio, e o sábio é querido por Mim!
8:28. O estudo dos Vedas, a realização de sacrifícios, de façanhas ascéticas e de boas obras dão os seus frutos. Mas os yogis que possuem o conhecimento verdadeiro elevam-se por cima de tudo isto e alcançam a Morada Suprema!”
Quem pode ser chamado sábio? Aquele que tem o conhecimento sobre o mais importante – sobre Deus, sobre o ser humano e sobre o Caminho do ser humano até Deus. Isto é a base, o fundamento da Sabedoria, mas não é ainda a Sabedoria. É apenas a posse de conhecimento, erudição. Sabedoria implica ainda a capacidade de pôr o conhecimento obtido em prática, a capacidade de criar intelectualmente.
Como desenvolver esta qualidade em nós? O primeiro e mais fácil método é a educação nos estabelecimentos educativos tradicionais (escolas, universidades, etc.), o que treina e desenvolve a actividade mental. Para além disto, o indivíduo pode adquirir habilidades e profissões adicionais (e quanto mais obtiver, melhor), comunicar com pessoas diferentes e com Deus, e fazer muitas outras coisas. Também é importante dominar completamente as funções de grihastha (dono de casa). A Sabedoria forma-se através do serviço e cuidado pelos outros – primeiro dentro da própria família e depois na “família” dos próprios discípulos espirituais.
O Criador não deixa entrar n´Ele pessoas tolas, não precisa delas.