Sexologia/Mecanismos de perversão da orientação sexual
Mecanismos de perversão
da orientação sexual
Entre as perversões da orientação sexual, a homossexualidade ocupa o lugar central. Por isto, neste capítulo, falaremos principalmente desta. Os mecanismos de outros tipos de perversões sexuais que se formam sobre a base do reflexo condicionado serão clarificadas à medida que prosseguimos.
O problema da formação da inclinação homossexual ocupou as mentes de numerosos cientistas durante aproximadamente um século e meio. No entanto, nenhuma teoria que pudesse providenciar uma explicação detalhada deste fenómeno foi proposta até ás últimas décadas. Certo progresso na clarificação deste assunto perfilou-se graças ao amplo uso da experimentação com animais.
A fins do século XIX e princípios do século XX, apareceram dois pontos de vista acerca das origens desta doença. Alguns cientistas [27, 33, 46, 58, 69] consideram que o factor dominante na formação da orientação homossexual é a predisposição congénita, dado que os primeiros sinais desta doença muitas vezes se observam desde tenra idade. No entanto, enquanto que esta hipótese explicava a forma masculina passiva e feminina activa da homossexualidade como um “hermafroditismo psíquico”; a origem da forma activa da homossexualidade masculina, quando se preservam tanto os traços masculinos externos como o carácter da atracção sexual (excepto pelo seu objecto), permaneceu sem explicação. Da mesma maneira, a partir desta teoria era impossível entender a forma passiva da homossexualidade feminina.
Posteriormente, outros investigadores, depois de notar que as etapas iniciais do desenvolvimento da homossexualidade se parecem às etapas do desenvolvimento do fetichismo, o qual não pode ser considerado uma doença congénita, começaram a elaborar um novo ponto de vista que reconhecia o papel dominante do ambiente no desenvolvimento destas doenças [29-32, 46, 48, 53-54]. O dito ponto de vista baseava-se na hipótese de que, durante uma das primeiras excitações sexuais, se produz a formação de um “reflexo condicionado patológico” (segundo V. M. Bekheterev) para com a acção do objecto sobre o qual estava concentrada a atenção da pessoa naquele momento. Os cientistas consideraram a etapa da intersexualidade juvenil como a mais perigosa nos termos possíveis do desenvolvimento das anormalidades sexuais.
No entanto, esta hipótese não pôde explicar porque é que, ainda que todas as pessoas atravessem esta fase “perigosa” no seu desenvolvimento, só relativamente poucas desenvolvem este tipo de anormalidades sexuais. Por exemplo, segundo Kinsey e colaboradores [90], apenas um 4% de todos os varões (sem contar com os bissexuais) são exclusivamente homossexuais durante toda a sua vida, enquanto que cerca de 60% tiveram experiências homossexuais na idade adolescente!
Tal como foi demonstrado por investigações posteriores, ambos os pontos de vista acabaram por ser correctos até certo grau, o que discutiremos adiante.
Para poder explicar a possibilidade da homossexualidade congénita, precisamos de examinar os processos de diferenciação e desenvolvimento do sistema reprodutor durante a embriogénese.
As glândulas sexuais dos fetos masculinos e femininos desenvolvem-se a partir das gónadas originalmente indiferenciadas no que respeita ao sexo do feto. Aproximadamente na 6ª semana do período embrionário da vida de um feto humano, começa a diferenciação sexual sob a influência da informação genética proveniente dos cromossomas sexuais.
Num feto masculino, uma parte interna das gónadas começa a desenvolver-se e a partir desta se formam depois os testículos; em troca, num feto feminino começa a desenvolver-se a parte cortical, a partir qual depois se formam os ovários. Este processo de diferenciação termina em termos gerais por volta da 7ª semana de vida fetal. Depois, as chamadas células intersticiais das glândulas sexuais do feto masculino começam a produzir androgénios. Debaixo da influência destes, os genitais obtêm as características masculinas. Aproximadamente a partir da 32ª semana de gravidez, as células intersticiais do feto masculino experienciam uma involução, a partir da qual permanecem num estado atrofiado até ao início da puberdade [44, 55 e outros].
Um feto feminino carece de androgénios nesta etapa, e em tais condições o desenvolvimento dos genitais marcha de acordo com o padrão feminino.
A falta de androgénios num feto masculino ou a aparição patológica destes num feto feminino (ao qual podem penetrar, por exemplo, a partir do organismo da mãe) e também algumas outras influências negativas externas podem causar o desenvolvimento do hermafroditismo.
Também foi descoberto que, não só o desenvolvimento dos genitais, mas também a diferenciação dos centros sexuais no cérebro, ocorrem sob a influência das hormonas correspondentes durante outra etapa crítica que se dá um tempo depois da primeira.
As ratazanas acabaram por ser os modelos mais adequados para o estudo experimental deste fenómeno, já que esta última etapa crítica se produz nelas durante os primeiros dias após o nascimento, e não durante a etapa pré-natal, como é o caso de outros animais e dos humanos.
Foi demonstrado que a castração das ratazanas macho ou a injecção com anti-androgénios naquelas, antes desta etapa crítica causam – ao alcançar a puberdade – a manifestação de padrões femininos de conduta sexual e a produção cíclica de gonadotropina (hormonas sexuais da hipófise que regulam a actividade das glândulas sexuais de acordo com o padrão feminino) [82-84, 104]. E vice-versa, a injecção de androgénios em fêmeas durante a etapa crítica causa, na puberdade, a manifestação de conduta sexual do tipo masculino e uma produção acíclica de gonadotropinas de acordo com o padrão masculino [78, 83, 94].
Foi descoberto que o centro do comportamento sexual masculino se encontra no hipotálamo medial pre-óptico, enquanto que o centro do comportamento sexual feminino se localiza no complexo ventromedial arcuato dos núcleos do hipotálamo [76, 79, 82, 92]. Nos indivíduos geneticamente masculinos, sempre que se desenvolvam de maneira natural sob a influência dos androgénios produzidos pelos testículos, acontecem a activação e desenvolvimento das estruturas reactivas aos androgénios do centro do comportamento sexual masculino e a desactivação dos centros que regulam tanto o comportamento sexual feminino como a actividade cíclica da hipófise. Nos indivíduos geneticamente femininos, sempre que os androgénios estão ausentes durante o período crítico (isto provavelmente ocorre como resultado da influência dos estrogénios que são filtrados para o feto a partir do organismo da mãe e através da placenta), desenvolvem-se apenas os centros femininos.
A propósito, Dörner e colaboradores [82] demonstraram que a homossexualidade provocada hormonalmente em animais de laboratório pode ser eliminada destruindo os centros sexuais femininos nos núcleos ventromediais hipotalâmicos, enquanto que Rörder e Müller [101] obtiveram o mesmo resultado com varões homossexuais por meio de uma cirurgia similar.
Desta maneira, torna-se claro como, devido a um desequilíbrio hormonal durante determinada etapa crítica da embriogénese, o comportamento sexual feminino pode formar-se em indivíduos geneticamente masculinos, e o comportamento sexual masculino em indivíduos geneticamente femininos. Tais varões pode ter certo grau, maior ou menor, de feminização congénita física e psíquica, enquanto que as mulheres, certo grau de masculinização. A inclinação homossexual formada desta maneira não está sujeita ao princípio do “tudo ou nada”, mas antes é expressada em maior ou menor grau dependendo da envergadura do factor que produziu a lesão [81].
Dörner [78] menciona os seguintes possíveis factores patogénicos que podem provocar este tipo de inversão sexual : 1) secreção patológica de gonadotropinas ou hormonas sexuais através da placenta; 2) perturbação da síntese de hormonas sexuais no feto; 3) sensibilidade alterada dos centros sexuais hipotalâmicos do feto às hormonas sexuais, que podem ocorrer, possivelmente, como resultado de alterações genéticas; 4) anormalidades na produção de hormonas no organismo da mãe; 5) injecção de hormonas sexuais na mãe durante a gravidez.
É possível que entre os varões esta patologia possa ser causada também por anomalias cromossómicas, a saber, pelo aumento dos cromossomas X. Assim, no caso do síndrome de Klinefelter (XXY), observa-se frequentemente a feminização física e psíquica [73, 98-99].
Também foi demonstrado que a feminização de fetos masculinos produz-se ao introduzir, no organismo da mãe durante a mencionada etapa crítica, certos medicamentos teratogénicos (aqueles que causam deformidades do feto), por exemplo, a reserpina [87-88] ou a clorpromazina [89].
Este efeito também pode ser provocado por influências não específicas sobre o feto, tal como a redução da circulação sanguínea utero-placentária durante a mesma etapa crítica [10-11].
Ainda que dito mecanismo da formação da homossexualidade esteja comprovado, apenas explica os casos em que se evidencia a forma passiva masculina e activa feminina da homossexualidade. Possivelmente, a este grupo pertencem os varões que manifestavam na sua infância rasgos de feminização psíquica, isto é, desejavam transformar-se em meninas (ou inclusive se sentiam como meninas), brincavam com meninas nos seus jogos, mais tarde evitavam a companhia de rapazes, vestiam-se confortavelmente como raparigas e assim por diante. Ao mesmo grupo pertencem as mulheres que, de igual forma, manifestavam rasgos de masculinidade desde tenra idade.
Para comprovar outro mecanismo de formação da patologia, o mecanismo do reflexo condicionado, realizámos experiências especiais em cães.
Dezasseis cães mestiços foram tomados das suas mães no primeiro mês de vida e criados em pares em jaulas com uma área de 3 metros quadrados (dois machos por jaula). As paredes das jaulas estavam feitas de uma material opaco para prevenir o contacto visual com outros cães.
Depois de um ano, isto é, assim que apareceram as reacções de excitação sexual ás feromonas sexuais, juntou-se a cada macho uma fêmea com o cio e, vários dias depois, ao mesmo macho com a mesma fêmea e com o seu companheiro de infância simultaneamente. Cada teste durava 30 minutos.
O comportamento de três dos machos durante os primeiros contactos com a fêmea ao princípio evidenciou a sua incapacidade de a cobrir. Após sentir o odor das feromonas sexuais, estes machos ficaram sexualmente excitados o que, no entanto, não os levou a tentativas de cópula, mas sim a brincadeiras intensas com a fêmea. Este tipo de comportamento persistiu mesmo depois de terem sido injectados com grandes doses de androgénios (propionato de testosterona, 6 mL, de uma solução de 5% por dia, durante 6 dias seguidos). Um dos machos começou a cobrir a fêmea a partir do sétimo dia, mas as suas tentativas foram tão escassas que não conseguiu realizar nem uma só cópula. Apesar disto, cobriu energicamente o macho com que foi criado quando ambos foram postos com a mesma fêmea.
Outros dois machos destes três começaram a cobrir a fêmea apenas quando esta se lhes juntou a ambos simultaneamente. Isto significa que a sua excitação sexual atingiu o nível patamar apenas com um estímulo visual inadequado.
Os outros treze cães manifestaram bastante depressa reacções sexuais para com a fêmea e realizaram as suas primeiras cópulas. No entanto, durante reuniões consecutivas com a mesma fêmea e o outro macho, nove deles também demonstraram reacções sexuais para com aquele. Três deles realizaram um número insignificante de cobrimentos sobre os machos em comparação com os realizadas sobre a fêmea; dois realizaram 25-30% de montagens sobre o macho cada um, outros dois aproximadamente 60% cada um, e dois machos que foram criados juntos montaram-se apenas um ao outro sem prestar nenhuma atenção à fêmea apesar de que previamente tinham copulado com ela.
As observações também demonstraram que as manifestações homossexuais aconteceram apenas nos pares de machos nos quais um dos animais reagia positivamente os cobrimentos do outro (o que não observámos no caso dos cães criados em condições normais). Cabe notar que o macho que era o objecto dos cobrimentos, evidentemente desfrutava do que o seu companheiro lhe fazia (a região do sacro nas costas é a zona erógena dos cães) e muitas vezes manifestava erecção.
Assim, estas experiências demonstraram evidentemente o feito de que a inclinação homossexual pode formar-se sobre a base do reflexo condicionado e, para além disso, permitiram observar como se origina a forma passiva da homossexualidade sobre a base do mesmo reflexo.
É um feito interessante que, sob a influência das injecções de androgénios, os varões homossexuais normalmente não obtêm uma inclinação sexual para com as mulheres; a única excepção são certos varões jovens que, pelos vistos, ainda se encontram na etapa da interssexualidade juvenil [77,95,102].
Em 1972, baseando-nos na observação de varões homossexuais, assinalámos [66] que as formas passiva e activa desta doença têm diferentes origens.
No caso da homossexualidade feminina, foi observado que a sua forma activa era congénita, enquanto que a passiva era adquirida [67].
As observações de pacientes homossexuais realizadas por nós durante os anos seguintes permitiram-nos classificá-los não em dois, mas em três grupos, dependendo do mecanismo de origem da sua doença:
1) Varões com a forma passiva e mulheres com a forma activa de homossexualidade congénita. Tais varões sentem-se como raparigas desde a infância, e as mulheres sentem-se como rapazes; preferem os jogos e a roupa do sexo oposto. Muitos destes varões possuem rasos congénitos da feminização, enquanto que as mulheres, de masculinização. Durante as relações sexuais, os varões com esta doença sentem-se mulheres, e a mulheres sentem-se homens. Uma alta percentagem destas pessoas tem anomalias hereditárias e reporta patologias da gravidez ou nascimento prematuro.
2)Varões com a forma passiva e mulheres com a forma activa da homossexualidade adquirida. Estes pacientes não possuem nenhuma inclinação homossexual congénita nem rasgos de feminização ou masculinização pervertidos. A sua inclinação para com o mesmo sexo forma-se sobre a base do reflexo condicionado durante a etapa da interssexualidade juvenil.
3) Varões com a forma activa e mulheres com a forma passiva da homossexualidade adquirida. Tais varões têm aparência e sexualidade masculinas. Da mesma maneira, as mulheres têm aparência e sexualidade femininas. A sua inclinação patológica forma-se sobre a base do reflexo condicionado normalmente em idade juvenil. Mais tarde, a sua inclinação sexual a) muda para uma inclinação normal, mas depois muda novamente para homossexual devido a traumas psíquicos relacionados com a vida heterossexual ou devido à impossibilidade de levar tal vida por uma ou outra razão, ou b) passa a sua vida adulta a substituir totalmente a sua inclinação normal ou coexistindo com esta. Uma parte significativa dos pacientes deste grupo reporta anormalidades hereditárias, doenças somáticas graves na infância, patologias da gravidez ou um nascimento prematuro. Tal anamnese indica que houve algum factor que pode ter afectado as estruturas cerebrais que regulam a componente congénita da orientação sexual.
A partir dos dados proporcionados, podemos concluir que a homossexualidade é uma doença de origem polimórfica, o que explica as dificuldades do seu tratamento. Por esta razão, não pode existir um único método aplicável a todos aqueles que querem ser curados desta doença, o tratamento específico deve ser escolhido dependendo do grupo etiológico a que pertence o paciente. Para além de tratamentos psicoterapêuticos, podem usar-se tratamentos com fármacos.
Assim, nalguns casos de homossexualidade masculina, pode-se tentar provocar ou intensificar com medicamentos (em combinação com a psicoterapia) a reacção aos “estímulos chave” do comportamento sexual e assim fortalecer a forma regular de inclinação sexual.
No caso das mulheres que carecem da inclinação heterossexual como resultado da diferenciação incorrecta dos centros cerebrais, pode usar-se a terapia com sygethinum, que demonstrou a sua eficácia para o tratamento destes problemas durante as nossas experiências com animais [12].
Sem lugar a dúvidas, só aqueles pacientes que insistem no seu tratamento devem ser submetidos ao mesmo. Mas, no geral, eles devem compreender que a homossexualidade não deve ser considerada como um obstáculo à realização do significado das nossas vidas. O importante para estas pessoas (e para todas as outras) é entender em que consiste este significado e, depois de “passar por cima” deste problema seu, avançar pelo Caminho do aperfeiçoamento indicado por Deus.
Para além disso, é essencial aprender a distinguir entre os princípios éticos, que formam parte dos Ensinamentos de Deus, e, por outro lado, a moral humana que sempre muda e que não é eticamente pura. Não é a moral o que devemos seguir, mas sim os Ensinamentos de Deus [24] (ainda que, claro, devemos sempre considerar as opiniões das outras pessoas).