Ariadne/Capítulo catorze: Sobre a Unidade
Capítulo catorze:
Sobre a Unidade
Ao entardecer, Hamílcar foi falar com Ariadne.
— Seria bom que os cavalos não ficassem muito tempo parados nos estábulos. Seria possível eu ir aquecer com eles antes do amanhecer, sem perturbar os habitantes da cidade nem os caseiros? Se for necessário, poderemos avisar antes os cuidadores do estábulo.
— Claro que sim, isso pode arranjar-se facilmente! Posso ir também? Nunca andei de quadriga…
— Claro, Ariadne, iremos juntos.
Três horas antes do nascer do sol, partiram os dois.
A casa de Ariadne estava muito bem localizada para passeios como este. Tinha sido construída nos arredores de Crotone, longe das ruas agitadas e dos distritos movimentados. Para além da larga estrada que fazia fronteira com a casa numa pequena parte do vasto jardim, estava completamente livre de contactos com a civilização. E entrar nessa estrada providenciava de imediato uma ampla vista do mar.
A princípio, os cavalos andaram a um passo comedido, pois Hamílcar restringia habilmente a ânsia deles por galopar. Quando os edifícios da cidade desapareceram da vista, Hamílcar permitiu que os belos animais galopassem tão depressa quanto quisessem ou pudessem.
Uma sensação de espaço e liberdade tomou Ariadne.
A lua cheia iluminava muito bem a estrada. Isto, em conjunto com o céu estrelado por cima deles, dava a sensação de que voavam através de um ilimitado oceano transparente estrelado que enchia todo o espaço em redor.
Os cavalos corriam, e Hamílcar permanecia quase imóvel na carruagem. Ele conseguia compensar os solavancos facilmente com movimentos corporais quase imperceptíveis, mantendo assim o equilíbrio.
Ariadne não conseguia fazer o mesmo, pelo que permaneceu adiante dele na carruagem, agarrada ao corrimão. Sentia como se atrás dela tivesse uma parede onde se podia apoiar — era o poderoso corpo de Hamílcar. Dele emanava uma sensação de segurança e paz.
Pouco tempo depois, tendo soltado a excessiva tensão do seu corpo e a delícia abundante pela beleza do que estava a acontecer, Ariadne ligou-se a Hamílcar como consciência.
A vastidão do céu estrelado estendia-se adiante, por cima, a toda a volta… O ar quente abraçava gentilmente os seus corpos, fazendo-os sentir-se quase sem peso.
Esta maravilhosa sensação era percepcionada como uma espécie de magia, permitindo-lhes estar em vários mundos ao mesmo tempo.
Todo o cosmos — a totalidade do mundo criado vivo, belo, vasto e em movimento — era percepcionado por eles a partir da quietude da Grande Calma do Criador. Movendo-se a grandes velocidades e sentindo-se unos com esta Divina Quietude, toda a percepção de tempo desapareceu…
Hamílcar parou os cavalos e ajudou Ariadne a descer para o chão. Os seus corpos caminharam lado a lado, enquanto eles permaneciam num estado de unidade como consciências. Não havia necessidade de falar: entendiam-se mutuamente sem palavras, estavam completamente unidos.
Aqueles estados de Profunda Quietude em que Ariadne tinha sido capaz de entrar em meditação por curtos períodos tornaram-se subitamente a sua própria Essência — essa Essência que é a única Fonte de tudo… Foi como se Ariadne desaparecesse, e a infinidade da Calma-Amor Viva enchesse tudo consigo mesma, incluindo o corpo de Hamílcar e o seu, as esparsas árvores ao longo do caminho, a erva tornada prateada pelo luar, as colinas distantes, o vasto mar claramente visível sob a lua, e o infinito oceano estrelado…
Esta compreensão e sentimento de Harmonia universal, da Unidade de todas as coisas, estava para além de toda a descrição…
Pararam numa elevação alta e íngreme. As gentis ondas da beira-mar sussurravam em baixo.
Estavam rodeados pelas belíssimas extensões sobre o mar e a terra…
E por todo o lado estava a Paz Transparente na qual tudo existe, e da qual tudo é criado pelo Poder Divino Vivo.
A Eternidade, Infinidade e Beleza do Criador tornaram-se o único mundo tangível…
Ariadne regressou à percepção do mundo da Criação, e olhou para Hamílcar grata por esta Prenda.
Ela sentiu a Presença imaterial de Pitágoras e de Muitos Outros que lhe tinham oferecido esta experiência espiritual — a experiência de viver em Unidade com o Todo.
E então, tão silenciosamente como tinham vindo, regressaram a casa.
Era altura de saudar o amanhecer com os estudantes da Escola. Perante eles encontrava-se um dia cheio das lições de Pitágoras, Hamílcar, e os outros estudantes da Escola.